Sobre
A Tilápia-azul é um espaço de criação e crítica.
Dedica-se não só à divulgação de trabalhos, mas também à reflexão — a reflexão sobre os modos de criação e os modos de circulação das artes — no meio digital e, em breve, no meio impresso. Melhor dizendo, à construção de um espaço dentro do qual a atividade artística não se desvincule da ação e do pensamento críticos, nem se subordine às instituições e ao poder; enfim, à construção de uma prática inconformista.
Para a Tilápia-azul, importa menos o texto que espelha a realidade que o texto que se torna, ele mesmo, uma realidade, como propôs Ferreira Gullar, em prefácio ao livro Crime na flora¹. Independentemente do gênero, importa o texto como acontecimento — aí reside um parâmetro-chave da publicação —, o que vem à tona se, na prática artística, há abertura para a experimentação.
Isso, não há dúvidas, acontece quando o desejo é o centro a partir do qual o trabalho — artístico e crítico — move-se, empurrão após empurrão. Pois o desejo, digamos, é uma maneira pela qual é possível ir de encontro ao embrutecimento.
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[¹] Crime na flora, de Ferreira Gullar (Rio de Janeiro: José Olympio, 2015).
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Proposição: corte e costura: assemblage
O que não pode escapar do campo de visão de quem se associa à prática de Arthur Bispo do Rosário, é este gesto de rebeldia: desfazer as linhas azuis do uniforme de um manicômio para, remodelando-as, iniciar o trabalho de montagem e remontagem das obras; de modo ininterrupto, produzir a partir do material que, além dos uniformes, está disponível no encarceramento; articular e desarticular e, certa hora, inverter a sequência, até que as duas tarefas sejam tão-somente uma; envolver, sem hierarquias, corpo, emoção e mente na atividade de corte e costura.
Do reconhecimento do gesto em diante, lançar-se para a zona de fronteira, deixando com que práticas artísticas alimentem umas às outras. E, assim, assimilar o modo de confecção de Bispo do Rosário como lições, proféticas ou não, graças às quais, inclusive, a palavra demanda a materialização: “Eu preciso destas palavras — escrita”; sem ignorar, em nenhum momento, o sofrimento ao qual ele foi submetido durante a vida.
[Eu preciso destas palavras escrita], de Arthur Bispo do Rosário (Fonte: Museu Bispo do Rosário – Arte Contemporânea)
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Proposição: espaço e matéria-prima
Na medida do possível, reivindicar um espaço de trabalho, individual ou coletivo, onde irrompe a luz natural. Nele, dispor uma mesa — ou, como Mestre Orlando do Couro, construir um móvel a partir de uma árvore craibeira — e organizar as ferramentas sobre ela. Montar o ateliê de modo convencional. Porém, se se quiser confundir a visão de quem observa, montar o ateliê a partir das contingências. Melhor dizendo, abastecer-se do acaso e transformá-lo numa matéria-prima, que está tão acessível quanto qualquer outra; seja dia, seja noite, entrar em contato com o acaso, sem enrijecê-lo, experimentá-lo na disposição dos objetos. Dentro e fora do ateliê, inclusive, desfazer a dicotomia entre arte e artesanato, entre artista e artesão, exceto nos casos em que esses usos, desmantelando os lugares-comuns, são menos ingênuos, mais estratégicos.
Ateliê do Mestre Orlando do Couro, em Poço Redondo, Sergipe (Fotografia: Luís Matheus Brito)